sábado, abril 23, 2005

A cAIxA dE sApAtOs


Senti o "cheiro a pó" que vinha debaixo da minha cama...
Ainda na semana passada arrumei akelas caixas de sapatos... que à medida que o tempo passa são preenchidas no seu espaço sombrio de papéis!
Papéis que não se resumem a nada.. são memórias, são recordações.. sao pekenos momentos imortalizados num pedacinho de folha rasgada do canto da página do caderno da aula monótona... É o postal de Natal, do aniversário, do dia em que entrou na faculdade, o postal de férias, o postal da despedida, o das melhoras, o do regresso, o da saudade, o do amigo, o da amiga, o da irmã, o da madinha, o do padrinho, o do sócio, o do turista, o do desespero .. o da alegria. É a assinatura do ídolo ou o bilhete do concerto mais "in" da ocasião. É o pacote de açucar do café de Lisboa (ou de outro sítio kalker). São as fotografias, são as cartas, são as palavras, são os selos, são as primeiras canetas oferecidas por esta ou aquela pessoa ... o porta-chaves roto e sujo preferido, o primeiro frasco de perfume comprado com o nosso próprio dinheiro, é o talão da peça de roupa mais cara que alguma vez deu, são as capas das cassetes assinadas com dedicatórias.. são os caderninhos com questionários do 1º ciclo (que perguntam a opiniao sobre tudo e pedem ainda a morada, a data de nascimento... e querem saber se namoram ou nao, se gostam de alguém ou nao), são as folhas soltas com poemas ... são as folhas agrafadas com corações vermelhos e promessas de amor, pensamentos adolescentes desnaturados ou conscientes e maduros... São os barquinhos de papel, são as fitas coloridas, são as pulseiras que já rebentaram. É o pacote do bollicao, ou a colher de gelado que comeu pela primeira vez com akela pessoa em frente do chafariz mais lindo da cidade ou do jardim mais limpo do planeta... ou do comboio mais apinhado do dia ... São os panfletos do cinema, os dos cartazes do teatro, as t-shirts riscadas, os diplomas de participação em actividades da catequese ou dos escuteiros, da escola ou do desporto... São as conversas que falam deste e dakele professor, deste e daquele amigo (....) .

É tudo mais que papel ... É vida... tantas vezes aprisionado numa caixinha de sapatos eskecida ... que quando é remexida remexe dentro de nós o coração. Aviva memórias, alivia a alma... Rimo-nos ao recordar .. Choramos ao reviver .. Ao reler as tais promessas de amor que julgamos imunes, intrasnformáveis.. e.. num ápice.. vemos logo tudo transformado num próximo papel, numa proxima experiência ou vivência...
Tocar no papel que contém uma película de pó e que faz cócegas na palma da mão, amarelecido pelo tempo e ver lá escrito com a caligrafia de outrora algo que nunca mais será dito .. nem tão pouco pensado .. porque para tudo existe um tempo certo .. Mesmo para arrumar a caixinha de sapatos que está de baixo da cama.

De cada arrumadela que se lhe dá ... passamos o pano e limpamos um pouco mais do pó acumulado: ignoramos um pormenor, valorizamos outro, não nos achamos capazes de nos desfazermos ainda daquela bolinha de plasticina azul e vermelha bolorizada, em contrapartida...aquele desenho a carvão decorado com lápis de cera já pode ser deteriorado no caixote do lixo mais próximo...

Não consigo explicar o porquê de tudo isto .. mas penso .. que quando determinados papéis são amarrotados e atirados ao vento e ao cuidado do sol, da chuva e do arco-iris para nós algo terminou ... ou ficou no nosso inconsciente bem recalcado ... dando espaço de memória para a novidade, para o desconhecido .. para um futuro emocionado. Não que a um computador se assemelhe... bem pelo contrário ... a um Humano com vida; com recordações, com desgostos e contentamentos - ser sociavel que em interacção influencia e se deixa influenciar... se apaixona pelos amigos, pelo outro. Ajuda e partilha. Vive e recorda ... Mas não abusa de tudo isso ... Porque a moderação é uma virtude .. e o excesso é um vício mortífero. * * *